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OPINIÃO: da seletividade do Direito Penal

Nem mesmo o trabalho diário com a criminalidade há quase 20 anos me faz "aceitar" ou até mesmo "banalizar" os plantões de polícia, a apresentação de diversos suspeitos como autores de delitos: roubo, tráfico de entorpecentes, furto, posse de entorpecente etc. Nessa rotina, questiono sobre a inevitável seletividade do Direito Penal ou do sistema criminal, da precariedade de políticas públicas ao alcance de todos, sobre a precariedade também de nossas leis, de apesar de tantas prisões, a sensação de insegurança da coletividade de um modo geral, da barbárie de alguns crimes, do número de feminicídios, enfim, para onde andamos?

Falo sobre a seletividade do "sistema criminal", aqui de maneira bem simples, já que este instrumento não é jurídico. Mas só para esclarecer, conforme os juristas Zafaroni e Pierangeli, o sistema penal é composto de instâncias formais (os legisladores, a polícia, o Poder Judiciário, o Ministério Público, as instituições penitenciárias) e as informais (família, escola, opinião pública, dentre outras); essas instâncias fazem girar e mover o sistema criminal, os fatos que são "selecionados" como crime, as leis, as prisões, as condenações, tudo isso sob a influência da opinião pública, da construção familiar, da escola.

Bem, quando estamos em um plantão de polícia percebemos que a grande massa apresentada são de indivíduos pobres, desmerecidos economicamente, e não quero dizer aqui, que "a culpa do crime ocorrido seja da sociedade", não é tão simples assim. Nesse mesmo sentido, temos muito mais pessoas de boa conduta, honestas, do que autores de crimes nesse imenso, pobre e desigual país. Mas a realidade é essa, por isso, o que proponho é o questionamento dessa realidade. São apresentados autores de posse de entorpecentes (o uso de maconha ainda é crime), mas quem são os apresentados? Não são estudantes universitários, profissionais liberais etc, mas é o miserável, não que esse não deva responder, mas todos devem, inclusive o acadêmico.

Então, sabemos que há uma seleção. Mas a polícia, o judiciário, o Ministério Público, os agentes penitenciários, todos estão trabalhando. A Polícia Civil gaúcha efetua inúmeras prisões todos os dias. E vem aquela sensação de enxugar gelo mesmo, o problema é grande e mais complexo do que se mostra. Tem algo de errado nesse sistema. E os crimes bárbaros, as atrocidades, as crueldades, os feminicídios? E os criminosos de colarinho branco, os corruptos, aqueles que "dão um jeitinho" para receber programas do governo mesmo tendo condições financeiras? E esse povo todo? Esses dificilmente são apresentados na madrugada no plantão de polícia.

Apesar de todas essas considerações, continuamos fazendo nosso trabalho, mas já é hora de pensar que há muitas coisas a serem mudadas, as leis processuais penais que facilitam a devolução de criminosos de crimes hediondos às ruas, a mudança de comportamento ético do brasileiro de um modo geral, principalmente no que se refere a achar que criminoso é só aquele estereotipado pela sociedade, pela mídia, o pobre do miserável social. Traficante não é só o da vila, da favela, mas também aquele que nem chega até lá, traficante também é o que fornece ecstasy em baladas e raves. O Sistema Penal, como um todo, precisa prevenir e tratar o crime, para termos um resultado efetivo, mas, para isso, vontade política, mudança cultural de nossa sociedade, sem hipocrisias, individualismos. Difícil? Acho que é, mas não tem outro jeito, temos que mudar nosso pensamento para mudar o Brasil.

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